Alguns dizem que para sobreviver, deve-se ser louco como um Chapeleiro... O que, com sorte, eu sou!

domingo, 6 de março de 2011

Episódio de Inês de Castro



(Canto III)

118
"Passada esta tão próspera vitória,
Tornando Afonso à Lusitana Terra,
A se lograr da paz com tanta glória
Quanta soube ganhar na dura guerra,
O caso triste e dino da memória
Que do sepulcro os homens desenterra
Aconteceu da mísera e mesquinha
Que despois de ser morta foi Rainha.

119
Tu, só tu, puro Amor, com força crua,
Que os corações humanos tanto obriga,
Desde causa à molesta morte sua,
Como se fora pérfida inimiga.
Se dizem, fero Amor, que a sede tua
Nem com lágrimas tristes se mitiga,
É porque queres, áspero e tirano,
Tuas aras banhar em sangue humano.

120
Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruito,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a Fortuna não deixa durar muito,
Nos saudosos campos de Mondego,
De teus fermosos olhos nunca enxuito,
Aos montes insinando e ás ervinhas
O nome que no pito escrito tinhas.

121
Do teu Príncipe ali te respondiam
As lembranças que na alma lhe moravam,
Que sempre ante seus olhos te traziam,
Quando dos teus fermosos se apartavam;
De noite, em doces sonhos que mentiam,
De dia, em pensamentos que voavam;
E quanto, enfim, cuidava e quanto via
Eram tudo memórias de alegria.

122
De outras belas senhoras e Princesas
Os desejados tálamos enjeita,
Que tudo, enfim, tu, puro amor, desprezas,
Quando um gesto suave te sujeita.
Vendo estas namoradas estranhezas,
O velho pai sesudo, que respeita
O murmurar do povo e a fantasia
Do filho, que casar-se não queria,

123
Tirar Inês ao mundo determina,
Por lhe tirar o filho que tem preso,
Crendo c’o sangue só da morte ladina
Matar do firme amor o fogo aceso.
Que furor consentiu que a espada fina,
Que pôde sustentar o grande peso
Do furor Mauro, fosse alevantada
Contra hûa fraca dama delicada?

124
Traziam-na os horríficos algozes
Ante o Rei, já movido a piedade;
Mas o povo, com falsas e ferozes
Razões, à morte crua o persuade.
Ela, com tristes e piedosas vozes,
Saídas só da mágoa e saudade
Do seu Príncipe e filhos, que deixava,
Que mais que a própria morte a magoava,

125
Pera o céu cristalino alevantando,
Com lágrimas, os olhos piedosos
(Os olhos, porque as mãos lhe estava atando
Um dos duros ministros rigorosos);
E despois, nos mininos atentando,
Que tão queridos tinha e tão mimosos,
Cuja orfindade como mãe temia,
Pera o avô cruel assi dizia:

126
Se já nas brutas feras, cuja mente
Natura fez cruel de nascimento,
E nas aves agrestes, que somente
Nas rapinas aéreas tem o intento,
Com pequenas crianças viu a gente
Terem tão piedoso sentimento
Como c’o a mãe de Nino já mostraram,
E c’os irmãos que Roma edificaram."

(Camões, Os Lusíadas)

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é uma linguagem muito dificil de entender, mas é muito lindo todo o contexto. quem le com calma entende e se impressiona.
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achei esse site ótimo. ^^

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